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Líquen Plano

    O líquen plano (LP) é uma doença inflamatória crónica, mucocutânea, em alguns casos cancerígena, que possui etiologia desconhecida e frequentemente agride a mucosa oral, podendo apresentar associação com a hepatite C. Foi descrita pela primeira vez por Erasmus Wilson, em 1869, e afeta 0,5 a 1% da população mundial (7). Aproximadamente 50% dos pacientes que apresentam lesões cutâneas também apresentam lesões na mucosa oral e em torno de 25% dos pacientes exibem lesões somente na mucosa oral. Embora o termo líquen plano sugira uma condição causada por um fungo, evidências recentes indicam que esta é uma alteração mucocutânea mediada imunologicamente. É multifatorial e combatida por um mecanismo imunopatológico, envolvendo particularmente os linfócitos T (6).
A forma oral de LP (LPO) parece ser mais comum, crónica e mais persistente do que a forma cutânea, pois perdura por mais de 20 anos sem remissão espontânea. LPO é improvável que seja causada por um único antigénio, uma vez que o estudo dos genes da região variável do recetor de células T a partir de células T de LPO lesionadas não tem revelado o uso de um número limitado de diferentes genes da região variável (12).
O LPO tem aspeto clínico polimorfo, sendo classificado em formas típicas e atípicas. As formas típicas podem ser divididas em reticular, papular, placa  e verrucosa.

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​   As formas atípicas são: ulcerada, atrófica, eritematosa, erosiva, pigmentar e bolhosa. A forma erosiva do líquen plano seria a mais prevalente nos pacientes com a hepatite C, apesar de a forma reticular também se mostrar presente. Esta última é caracterizada por um conjunto de estriações ou elevações filiformes esbranquiçadas que se entrecruzam, formando arranjos em forma de rede ou de anéis. São então, denominadas estrias de Whickham. Estas envolvem a mucosa bilateralmente e na maioria dos casos este tipo é assintomático e frequentemente descoberto acidentalmente durante um exame oral de rotina (6).

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   A prevalência do líquen plano oral é maior no sexo feminino do que no masculino, em proporção de aproximadamente 2:1. Esta alteração é rara em crianças, afetando na sua maioria pacientes entre 40 e 70 anos de idade.
   Embora o líquen plano oral tenha ainda etiologia desconhecida, numerosos estudos têm indicado uma relação estatisticamente significativa desta doença com a infeção pelo VHC (o RNA do VHC tem sido encontrado nas células epiteliais das lesões através da técnica da reação em cadeia da polimerase por transcrição reversa e por hibridação in situ) e consequente doença hepática crónica.
   Assim sendo, estudos experimentais e dados epidemiológicos recentes sugerem que os pacientes são infetados pelo vírus da hepatite C (VHC) muito   precocemente e só depois desenvolvem as lesões de líquen plano oral (LPO), provavelmente por uma via imunopatológica possibilitada pelo VHC e ainda não definida claramente.
   O vírus da hepatite C (VHC) constitui uma das principais causas de doença crónica do fígado. Assim sendo, existe uma possível ligação entre o vírus da hepatite C e LP, a qual foi sugerida pelo facto do LP ser frequentemente associado à doença hepática crónica (CLD), no mediterrâneo, mas não em pacientes do norte da Europa.
No entanto, o risco de CLD em pacientes com LP parece independente do vírus da hepatite B (HBV), apesar de haver alguns relatos, principalmente de erupções em pele liquenoide após a administração de diferentes vacinas contra HBV. Além disso, o vírus Epstein-Barr (EBV) e os vírus recém-descobertos, o vírus da hepatite G e o vírus de transfusão transmissível (TTV), não estão significativamente associados com LP. Quando os testes de diagnóstico de VHC se tornaram possíveis, uma grande quantidade de relatos de casos, estudos de coorte e de controlo foram realizados, o que sugere uma ligação entre LP e VHC. (11,13)

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   Atualmente, 63 estudos analisaram a prevalência mundial da infeção pelo VHC entre pacientes com LP. A prevalência média de infeção por VHC calculada a partir de 5516 pacientes com LP, em 63 estudos foi de 16,8 %. De acordo com a meta-análise de 2002, o odds ratio (OR) mostrou que os pacientes com LP têm um risco cinco vezes superior ao do grupo controlo, de serem portadores de VHC. No entanto, relatórios de estudos realizados demonstraram que existe uma relação entre a variabilidade geográfica e a relação entre VHC e LP. Por exemplo, estudos do Japão relataram uma prevalência média de 38,9%, seguido pela Itália com 24% e Espanha, com 20,6%, enquanto o valor correspondente para Estados Unidos foi de 12,4% e para o norte da Europa foi apenas 6,4%. A meta-análise tem confirmado que o risco de ser seropositivo VHC entre os pacientes LP aumentou consideravelmente no Mediterrâneo, enquanto no norte da Europa se tornou insignificante. Este dado explica a forte conotação regional da associação entre LP e CLD que foi observado principalmente no sul da Europa, onde VHC é altamente prevalente (10,15,16).

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   Curiosamente, uma variabilidade geográfica semelhante foi demonstrada durante outros estudos relacionados com infeção por VHC, tais como a Porfíria cutânea tardia (PCT), linfoma e até mesmo crioglobulinemia mista (CM).
   Um estudo recente em grande escala do sul da Itália, sugere que os dados anteriormente relatados referentes a esta mesma zona, favorecem um elo entre LPO e VHC. Esta relação pode ser explicada pela elevada prevalência e também pela distribuição de idades da infeção do VHC nesta área. No entanto, os dados do grupo controlo para este estudo foram obtidos a partir de trabalhos publicados anteriormente, incluindo pacientes predominantemente das áreas rurais, enquanto os pacientes com LPO foram recrutados a partir de dois grandes hospitais universitários. Esse viés poderia ter fortemente influenciado os resultados e as conclusões do estudo.
   Com efeito, a meta-análise parecia refutar a hipótese de que a elevada frequência de seropositividade VHC encontrada em grupos LP é causada pelo aumento da prevalência da infeção por VHC em pacientes idosos. Em 16 dos 26 estudos incluídos, o grupo controlo foi de sexo e idade comparável com o grupo de estudo e, portanto, a diferença na prevalência de VHC entre os dois não pode ser atribuída à idade dos pacientes com LP.

   Embora, em alguns pacientes infetados com VHC as lesões liquenoides possam ter sido secundárias à terapia anti-VHC, na maioria dos estudos, os pacientes não foram expostos aos tratamentos antivirais. Significativamente, no maior estudo publicado em pacientes infetados com VHC que mostram uma significativa associação entre a infeção por VHC e LP, menos de 5% de 32 204 pacientes estudados receberam terapias antivirais. Em outro estudo, não houve diferenças significativas na frequência de LPO entre os pacientes que foram observados e que receberam interferon-alfa (IFN-α) e aqueles que não o fizeram.
   No entanto, dado o desenho retrospetivo da maior parte do estudo caso-controlo e estudos de coorte publicados, é impossível estabelecer se a exposição ao VHC ocorreu mais cedo ou depois do aparecimento de LP. Como resultado, os pacientes infetados com VHC podem ter um risco aumentado de desenvolvimento de LP ou, vice-versa, os pacientes com LP poderem ter um maior risco de infeção pelo VHC. (11)

 

   Nos estudos efetuados até então, há uma diferente distribuição geográfica da prevalência de associação entre a Hepatite C e LPO, sendo esta mais alta no Sul da Europa e Japão e mais baixa no Norte da Europa, como é o caso da Inglaterra. (14)

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​   Estas diferenças geográficas podem estar possivelmente influenciadas por fatores imunogenéticos, duração da infeção pelo VHC e o tipo de estudos e métodos usados em cada publicação. (11)
   O genótipo viral 1b é o mais encontrado em pacientes com o líquen plano oral e a hepatite C. A associação carece, ainda, de confirmação científica, já que a grande maioria dos casos de hepatite C, no nosso meio, é causada por esse subtipo de vírus
Estudos sobre os mecanismos de patogénese da associação entre o LP oral e a hepatite C sugerem uma resposta citotóxica mediada por células a epítopos compartilhados pelo VHC e ceratinócitos, ou a um possível papel de auto-anticorpos direcionados contra epítopos epiteliais.

​   Não se sabe, também, se o VHC atuaria localmente, alterando a função dos ceratinócitos, ou se a resposta imune do hospedeiro ao VHC seria responsável pelo desenvolvimento do LP oral. Entretanto, influências imunogenéticas regionais, como a expressão do alelo HLA-DR6 em indivíduos VHC positivos, poderiam predispor esse grupo de pacientes a manifestar, concomitantemente, o líquen plano oral.
Assim, se a associação entre o líquen plano e a hepatite C realmente existe, ela ainda não pode ser bem estabelecida, devido aos achados controversos e discrepantes nos diferentes países.
   Por conseguinte, antes que se conheça a verdadeira associação entre essas duas entidades, preconiza-se que portadores do VHC se submetam, rotineira e frequentemente, a exames orais, e pacientes com líquen plano oral realizem exames sorológicos anti-VHC. (14,17)

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Líquen Plano em placa em margem direita

Forma reticular do Líquen Plano

Distribuição geográfica da Hepatite C no mundo

Prevalência do VHC em pacientes com líquen plano bucal, em diferentes países.

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